sábado, 21 de maio de 2016

A OBRA SCIVIAS DE SANTA HILDEGARD VON BINGEN

Pintura beuronense 
Abadia de Santa Hildegard - Alemanha. 

Os elementos (do mundo) são o poço dos prazeres humanos, conforme mostram por seus modos. Como? Atraindo a vingança de Deus sobre aqueles que estão pecando. Portanto, ó humano, renuncia à vazia avareza que vai arruinar-te, pois tua verdadeira herança é a vida eterna; abandona o mal e faze o bem, e, assim, renuncia à cruel malevolência. E, para seguir o caminho da misericórdia, dá de teus bens materiais aos pobres, e, portanto, imita Deus, que é misericordioso.
(HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 416).


São Bento e Santa Escolástica 




Santa Juta, Santa Hiltraudis, Santa Ida Rupert., Santa Margarida de Rupertsberg e Santa Isabel de Schonau. 



Papa Beato Eugênio III, Ocist., (1088-1153). 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B
(Monge beneditino)
Salvador - BA - 20 de maio de 2016
No ano de 1098 em Bermersheim vor der Höhe, no vale do Reno, Alemanha, nasce mais uma criança do casal Hildebert e Mechthild, a décima criança, a qual foi destinada ao Mosteiro como dízimo a Deus, aos oito anos de idade, no eremitério da monja Jutta (+1136), a qual sucederia após sua morte, como abadessa do Mosteiro no ano de 1136.

Jutta era uma grande figura! Mulher extremamente inteligente, por isso, ela transmite a pequena seus conhecimentos, ensinando-a a ler a Bíblia latina, e especialmente os Salmos, a cantar o Ofício monástico, ensina-lhe os segredos da medicina, música, etc. Esta criança chamava-se Hildegard

Do seu nascimento, até o ano de 1136, nada temos a seu respeito. O que conhecemos foi por causa da compilação de sua primeira e mais importante obra, intitulada SCIVIAS (Scito vias Domini) Conhece os Caminhos do Senhor, escrita entre 1141 a 1151, a qual desejo mostrar aqui aos meus leitores a sua beleza ímpar, através dos belíssimos desenhos medievais figurando as visões de Hildegad. Cada um deles traz uma Teologia profunda, pois o conjunto forma a História da Salvação desde o começo até o juízo final. Assim afirma Bábara J. Newman na introdução do Scivias.

Tal como todos os profetas, ela estava profundamente preocupada com a história, e tanto em Scivias quanto no Liber divinorum operum, ela examina o curso da história da salvação do começo ao fim, desde a criação até o juízo final (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 43).

Portanto, a abadessa Hildegard von Bingen, foi uma das mais brilhantes personalidades da Idade Média. Era considerada a profetiza do Reno, pois com suas visões fazia as mais variadas profecias. Devido a sua grande sabedoria era constantemente consultada por muitos do clero e gente simples do povo. Bispos a chamava para pregar para o seu clero devido a sua iluminação; coisa que não podia, uma mulher fazer em plena Idade Média. Por isso, foi muito odiada e perseguida por alguns membros do clero, por inveja e por ela mostrar-lhes os seus erros.

Tudo o que esta santa falava e escrevia, não era fruto de seus estudos, mas provinha unicamente de Deus. Com suas mais variadas visões era constantemente iluminada. Vejamos o que nos diz a própria Hildegard:

Eis aqui! No quadragésimo terceiro ano de meu percurso terrestre, quando eu estava observando com grande temor e trêmula atenção a visão celeste, vi um grande esplendor no qual ressoava uma voz do Céu, a dizer-me: Ó frágil humano, cinza das cinzas, imundície da imundície! Dize e escreve o que vês e ouves. Contudo, visto que és tímido no falar e símples na exposição, e iletrado no escrever, fala e escreve estas coisas não por uma boca humana e não pela compreensão da invenção humana, e por exigência de composição humana, mas como as vês e as ouves no alto dos lugares celestes, nas maravilhas de Deus. Explica estas coisas de tal modo que ouvinte, recebendo as palavras de seu instrutor, possa expô-las naquelas palavras, de acordo com aquela vontade, visão e instrução. Assim, portanto, ó humano, fala estas coisas que vês e ouves. E escreve-as não por ti mesmo ou por qualquer ser humano, mas pela vontade daquele que sabe, vê e dispõe de todas as coisas no segredo de seus mistérios. E mais uma vez ouvi a voz do céu dizendo-me: “Fala, portanto, destas maravilhas e, sendo assim instruído, escreve-as e fala” (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 95).

A santa também sabia muito bem lidar com a medicina, era uma ilustre musicista, grande compositora e compôs persas teatrais. Coisa que não era permitido em sua época. Verdadeiramente, ela era uma mulher além do seu tempo. Por isso, foi bastante perseguida por alguns membros do clero e até por algumas de suas monjas, que não aceitavam o seu modo de vida. Para estes, ela estava transgredindo a Regra de São Bento bem como as normas eclesiásticas.

Quando ela começou a escrever suas visões, quase foi punida pela Igreja. Por isso, ela faz um apelo ao ilustre e grande São Bernardo de Claraval, a figura mais influente desse período, que logo reconhece em sua obra SCIVIAS, a mão de Deus, agindo na alma de sua serva e, assim, defende-a de todos os perseguidores. Com apoio de São Bernardo e do monge Volmar de Disibodenberg, bem como de seu bispo Henrique de Mongúncia, a fama de Hildegard chegou até o Papa Eugênio III que se encontrava em Tréveris a presidir um sínodo de bispos. Quando Eugênio III teve contato com a obra da abadessa, logo, concede a sua aprovação. Corria o inverno do ano de 1147-48. A obra Scivias, ainda estava inacabada quando o Papa recebeu a cópia. E, esta, tanto lhe impressionou, que desejou ler em público, diante dos bispos reunidos. Em seguida, envia a Hildegard uma carta de saudação e bênção apostólicas, para que desse continuidade à obra. Esta obra é a primeira escrita pela santa; a mais importante de todas. Esta, traz uma beleza ímpar.

Podemos perceber, que duas personagens de grande importância na vida de santa Hildegard foi o monge Volmar de Disibodenberg, seu professor e, posteriormente, seu secretário e amigo íntimo, e sua assistente a monja Richardis de Stade, pela qual Hildegard tinha predileção. Estas duas figuras depois da morte de Jutta, a apoiaram de modo pleno. Por isso, o grande amor de Hildegard por eles.

As visões de santa Hildegard têm um cunho singular. Pois, as visões dos outros santos deixam para nós margem para uma interpretação, enquanto as de Hildegard não. Ela, descreve o que ver e ouve, transmitindo com fidelidade o que Deus pede que seja transmitido. Escutemos o que nos diz sobre suas visões:

As visões que tive não as percebi em sonhos, ou no sono, ou em delírio, ou pelos olhos do corpo, ou pelos ouvidos do ser exterior, ou em lugares ocultos; recebi-as, pois, estando desperta e enxergando com mente pura e com os olhos e ouvidos do ser interior, em lugares abertos, conforme Deus o queria. Com isso poderia ser e é difícil para a carne mortal compreender (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 96).

E prossegue em sua exposição:

Eu, porém, embora visse e ouvisse estas coisas, recusei-me escrever por muito tempo, em meio a dúvida e à má opinião e à diversidade das palavras humanas, não com obstinação, mas no exercício da humildade, até que, rebaixada pelo flagelo de Deus, cair num leito de enfermidade; então, impulsionada, enfim, por muitas doenças, e pelo testemunho de certa nobre serva de boa conduta [a irmã Richardis de Stade] e daquele homem a quem busquei secretamente e encontrei, [o monge Volmar de Disibodenberg], pus minha mão a escrever. Enquanto eu o fazia, senti, como aludi anteriormente, a imensa profundidade da explanação escriturística; e, reerguendo-me da enfermidade pela força que recebi, levei esta obra à conclusão – embora apenas precariamente – em dez anos (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 97-98).

Interessante é que Hildegard cita as personagens da sua época na declaração de abertura do livro Scivias. Ouçamos a sua citação:

Estas visões aconteceram e estas palavras foram escritas nos dias de Henrique, arcebispo de Mongúncia, e de Conrado, rei dos romanos, e de Cuno, abade de Disibodenberg, sob o Papa Eugênio (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 98).

E, fechando a sua declaração diz:

E promulguei e escrevi estas coisas não pela invenção de meu coração ou da de qualquer outra pessoa, mas como pelos mistérios secretos de Deus, eu ouvi-as e recebi-as nos lugares celestiais. E, mais uma vez, ouvia a voz do céu dizendo-me: Grita, portanto, e escreve assim! (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 98).

Pois bem, meu desejo aqui é mostrar a beleza desta obra Scivias, através dos belíssimos desenhos alegóricos das suas visões, uma obra-prima da Idade Média.

O texto divide-se em três livros de extensão desigual, que falam das ordens da criação, da redenção e da santificação. “O terceiro livro contém tantas visões quanto os dois primeiros combinados. Dentro de cada visão, ou unidade estrutural importante, a organização é complexa, mas uniforme” (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 45).

Passemos agora a uma descrição da obra monumental de Santa Hildegard von Bingen, para podermos apreciar a beleza das figuras alegóricas vista pela santa.


O primeiro livro explora conexões entre o macrocosmo e microcosmo, coisas acima e coisas abaixo, o mundo criado e o mundo decaído. No segundo livro, que é dominado pela figura da Ecclesia ou Mãe Igreja, Hildegarda apresenta seu ensinamento sobre os sacramentos da redenção: batismo, confirmação, sacerdócio, penitência e Eucaristia. Aparentemente, ela considerava os votos monásticos como um sacramento também, pois eles são tratados longamente. (O matrimônio, como sacramento da criação original, é discutido no livro I). O livro III tem uma estrutura dupla, ao mesmo tempo histórica e moral. A maioria das visões nessa parte desenvolve a imagem de um complexo edifício alegórico, o “edifício da salvação”, que é sustentado pela divindade e abitado pelas virtudes. A descrição que Hildegarda faz de suas paredes, colunas e torres traça as sucessivas eras da história da salvação, desde a criação, até o julgamento final, enquanto suas visões das virtudes personificadas permitem-lhe apresentar a teologia da vida moral. Os dois temas combinam-se na última visão uma sinfonia de louvor para os habitantes do céu. Tanto a história quanto a luta moral aqui são transcendidas e consumadas (HILDEGARDA, Scivias, 2015, p. 46). 


DATAS IMPORTANTES DA VIDA DE SANTA HILDEGAD

- Nascimento - 1098 em Bermersheim vor der Höhe, Alemanha

- Falecimento - 17 de setembro de 1179 no Mosteiro de Rupertsberg, Alemanha.

- Veneração - Igreja Católica.

- Beatificação - Data ignorada.

Veneração pública autorizada em 1324 pelo papa João XXII.

- Canonização - 1584, em canonização administrativa autorizada pelo papa Gregório XIII, sem cerimônia solene.

- Principal templo - Igreja de Santa Hildegard, Eibingen, Alemanha.

- Festa litúrgica - 17 de setembro.

- Doutora da Igreja – em 7 de outubro de 2012, por Sua Santidade o Papa Bento XVI.  

Durante a missa de abertura do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, o Papa Bento XVI proclamou a grande Abadessa beneditina Santa Hildegard von Bingen (1098-1179) Doutora da Igreja. Será a quarta mulher Doutora da Igreja Universal depois de Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Sena e Santa Teresa de Lisieux. Assim, proclama o Papa em seu discurso:

“Nós, acolhendo o desejo de muitos Irmãos no Episcopado e de inúmeros fiéis do mundo inteiro, depois de ter recebido o parecer da Congregação para as Causas dos Santos, depois de ter reflectido longamente e ter alcançado uma plena e segura convicção, com a plenitude da autoridade apostólica declaramos São João de Ávila, sacerdote diocesano, e Santa Hildegarda de Bingen, monja professa da Ordem de São Bento, Doutores da Igreja universal, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
(da Carta Apostólica de proclamação de Santa Hildegard como Doutora da Igreja, por Sua Santidade o Papa Bento XVI em 7 de outubro de 2012).


 OBRAS ESCRITAS PELA SANTA

- Scivias (Conhece os Caminhos do Senhor), escrita entre 1141 a 1151.
- Liber Vitae Meritorum (Livro dos Méritos da Vida), escrito entre 1158 a 1163.
- Liber Divinorum Operum (Livro das Obras Divinas), escrito entre 1163 a 1173.

O livro
SCIVIAS
(Scito Vias Domini)
Conhece os caminhos do Senhor
Santa Hildegard von Bingen
(1098-1179) 

O Scivias, consiste, de acordo com Hildegard, na transcrição das mensagens. É uma obra com ensinamentos em ortodoxia doutrinária. A obra, contendo as visões de Hildegard, é dividida em três partes de tamanho desigual que tratam respectivamente da Criação e Queda, da Redenção e da Salvação.


DIVISÃO DA OBRA SCIVIAS DE SANTA HILDEGARD VON BINGEN

A obra se dirige prioritariamente a um público monástico e clerical, mais especificamente a um público masculino de clérigos que Hildegard considerava indolentes. Esta obra, como veremos, está dividida em três partes, que Hildegard chama de livros. 

O primeiro livro contém seis visões;
O segundo, sete visões;
O terceiro contém treze visões












Vi uma grande montanha ferruginosa e, entronizado sobre ela, alguém de glória tão imensa que ofuscava minha vista. Em cada um dos lados dele, estendia-se uma sombra suave, como uma asa de largura e extensão admiráveis. Diante dele, no pé da montanha, achava-se uma imagem cheia de olhos por todos os lados, na qual, por causa daqueles olhos, eu não podia vislumbrar nenhuma forma humana. Diante dessa imagem, havia outra: uma criança que trajava uma túnica de cor suave, mas com sapatos brancos, sobre cuja cabeça tamanha glória descia daquele que está entronizado sobre aquela montanha, que não pude olhar para seu rosto. Mas daquele que se assentava entronizado sobre aquela montanha saltavam muitas faíscas vivas, que voavam mui docemente ao redor das imagens. Igualmente, discernir nessa montanha muitas janelinhas, nas quais apareciam cabeças humanas, algumas de cores atenuadas e outras brancas.
E eis que aquele que estava entronizado sobre aquela montanha gritou com voz forte e alta, dizendo: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 103). 


Então eu vi como se fosse uma grande multidão de lâmpadas vivas e muito brilhantes, que recebiam ardente brilho e adquiriam um claro esplendor. E eis que apareceu um buraco de grande largura e profundidade, com uma boca como a boca de um poço, que emitia fumaça ardente com grande mau cheiro, do qual se espalhou uma repugnante nuvem que assumiu uma forma enganadora, como uma veia. E, em uma região de luminosidade, ele soprou sobre uma nuvem branca que brotara de uma maravilhosa forma humana e continha dentro de si muitas e muitas estrelas, e em assim fazendo, expulsou daquela região tanto a nuvem branca quanto a forma humana. Quando isso foi feito, um luminoso esplendor rodeou aquela região, e todos os elementos do mundo, que antes haviam existido em grande tranquilidade foram lançados na maior agitação e mostravam horrendos terrores. E, mais uma vez, ouvi aquele que me havia falado anteriormente, a dizer: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 109).


Depois disto, vi uma vasto instrumento, redondo e ensombreado, tendo a forma de um ovo, pequeno no topo, largo no meio e estreito no fundo; fora dele, rodeando sua circunferência, havia fogo brilhante com algo assim como uma zona umbrosa sob ele. E naquele fogo havia um globo de chamas coruscantes, tão grande que todo o instrumento era iluminado por ele, e sobre o qual três pequenas tochas estavam dispostas de tal modo que, pelo fogo delas, elas sustentavam o globo para que não caísse. E aquele globo, às vezes, elevava-se por si só, de modo que muito fogo voava para ele e, através disso, suas chamas duravam por mais tempo; e algumas vezes afundava, e grande frio se achegava a ele, de modo que suas chamas eram mais facilmente dominadas. Todavia, do fogo que rodeava o instrumento, saia uma rajada com redemoinhos, e da zona abaixo dele, arrojava-se outra rajada com seus próprios redemoinhos, que se difundiam para lá e para cá, por todo o instrumento. Naquela zona, outrossim, havia um fogo escuro de tão grande horror, que eu não podia olhar para ele, cuja força abalou toda a zona, cheio de trovão, tempestade e pedras extremamente afiadas, tanto pequenas quanto grandes. E enquanto fazia ouvir seus trovões, o fogo brilhante e os ventos, e o ar estavam em convulsão, de modo que lampejos precediam aqueles trovões; com efeito, o fogo sentia dentro de si a turbulência do trovão.
Contudo, sob aquela zona, havia puríssimo éter, sem nenhuma zona abaixo de si, e nele, vi um globo de fogo branco e de grande magnitude, sobre o qual estavam colocadas duas tochinhas, segurando aquele globo para que ele não excedesse a medida de seu curso. E naquele éter estavam dispersas muitas esferas brilhantes, dentro das quais o globo branco de vez em quando se derramava e emitia seu esplendor; em seguida, voltava para baixo do globo de fogo vermelho e renovava suas chamas a partir dele; a seguir, uma vez mais, enviava-as para dentro aquelas esferas. E daquele éter também saía uma rajada com seus redemoinhos, a qual se espalhava por toda parte ao longo do instrumento.
E sob aquele éter, vi um ar aquoso, com uma zona branca sob ele, o qual se difundia aqui e ali e espalhava umidade por todo o instrumento. E quando ela repentinamente se contraía, enviava uma chuva repentina com grande rumor, e quando se espalhava suavemente, concedia que caísse uma chuva agradável e branda. Mas dele também saiu uma rajada com seus redemoinhos, a qual espalhou-se por todo o supramencionado instrumento.
E no meio desses elementos encontrava-se um globo arenoso de grande extensão, rodeado de tal maneira por esses elementos que ele não podia oscilar em nenhuma direção. Mas, dado que esses elementos e essas rajadas disputavam entre si, devido a sua força, eles o fizeram mover-se um pouco.
E eu vi entre o norte e o leste, uma grande montanha que, ao norte, tinha grande escuridão, e ao leste tinha grande luz, mas de tal maneira que a luz não podia alcançar a escuridão, nem a escuridão a luz.
E mais uma vez, ouvi a voz do Céu dizendo-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 139).






Então vi um imenso e sereno esplendor, chamejante, por assim dizer, com muitos olhos, com quatro chifres apontando em direção aos quatro cantos do mundo, o que me foi manifesto no maior mistério, para mostrar-me o segredo do Criador Supremo; e nele apareceu outro esplendor como a aurora, contendo em si mesmo um brilho de púrpura radiante. E eis que vi sobre a terra pessoas carregando leite em vasos de barro e fazendo queijos dele; e uma parte era espessa, e desta faziam-se queijos fortes; e outra parte era fina, e dela coagulavam-se queijos fracos; e uma parte era misturada com corrupção, e dela formavam-se queijos amargos. E eu vi a imagem de uma mulher que tinha uma perfeita forma humana em seu ventre. E eis que, pelo secreto desígnio do Supernal Criador, aquela forma mexia-se com movimento vital, de modo que um globo ígneo que não tinha traços humanos tinha a posse do coração daquela forma e tocava seu cérebro e se espalhava por todos os seus membros.
Mas, então, esta forma humana, vivificada desta maneira, adiantava-se do ventre da mulher e mudava sua cor de acordo com os movimentos que globo fazia naquela forma.
E eu vi que muitos redemoinhos, todos juntos, agrediam um daqueles globos e o abaixavam até o chão; mas, recuperando sua força e elevando-se bravamente, resistiu-lhe corajosamente e disse com gemido: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 161).


Depois disso, vi a imagem de uma mulher, pálida da cabeça ao umbigo, e negra do umbigo aos pés; seus pés eram vermelhos, e a cor ao redor dos pés havia uma nuvem da mais pura alvura. Ela não tia olhos, e havia posto as mãos nas axilas; ela estava de pé junto ao altar que se encontrava diante dos olhos de Deus, mas ela não o tocou. E em seu coração, achava-se Abraão, e em seu peito, Moisés, e em seu ventre, o restante dos profetas, cada um mostrando seus símbolos e admirando a beleza da Igreja. Ela era de grande estatura, como a torre de uma cidade, e tinha na cabeça um aro como a aurora. E mais uma vez ouvi a voz vinda do Céu a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 197).


Então eu vi, nos lugares secretos, nas alturas do céu, dois exércitos de espíritos celestes que brilhavam com grande esplendor. Os espíritos de um dos exércitos tinham asas em seus peitos, com formas como formas humanas diante deles, nas quais traços humanos se mostravam como se em água clara. Os do segundo exército também tinham asas em seus peitos, que mostravam formas humanas, nas quais a imagem do Filho do Homem brilhava como em um espelho. E eu não podia ver nenhuma outra forma, nem nestes nem nos outros. Esses exércitos estavam dispostos em forma de uma coroa ao redor de outro cinco exércitos. Os espíritos do primeiro destes cinco exércitos pareciam ter formas humanas que brilhavam com grande esplendor dos ombros para baixo. Já os do segundo brilhavam com tão grande luminosidade que eu não podia olhar para eles. Os do terceiro tinham a aparência de mármore branco e cabeças como cabeças humanas, sobre as quis ardiam tochas, e, dos ombros para baixo, eles estavam rodeados por uma nuvem cinza-escura. Os que pertenciam ao quarto tinham formas como formas humanas e pés como pés humanos, e usavam capacetes em suas cabeças, e túnicas de mármore. E aqueles do quinto nada tinham de humano em sua aparência, e emitiam um brilho vermelho, como a aurora. E eu não vi nenhuma forma neles.
Mas estes exércitos estavam também dispostos como uma coroa ao redor de dois outros. Os do primeiro destes outros exércitos pareciam estar cheios de olhos e de asas, e em cada olho aparecia um espelho, e em cada espelho uma forma humana, e eles levantavam suas asas a uma altura celestial. E os do segundo ardiam como fogo, e tinham muitas asas, nas quais mostravam como que em um espelho todas as hierarquias da Igreja dispostas em ordem. E não vi nenhuma forma nem nestes nem nos outros. E todos estes exércitos estavam cantando com vozes maravilhosas todos os tipos de música acerca das maravilhas que Deus opera nas almas bem-aventuradas, e, mediante isso, Deus era maravilhosamente glorificado.
E ouvi a voz do Céu a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 205).




Eu, uma pessoa que não encandece com a força de fortes leões nem é ensinada por sua inspiração, mas uma tenra e frágil costela imbuída de um sopro místico, vi um fogo ardente, incompreensível, inextinguível, inteiramente vivo e inteiramente vida, com uma chama em si da cor do céu, que ardia abrasadoradamente com um suave respiro, e que era tão inseparável dentro do fogo ardente como as vísceras o são dentro de um ser humano. E eu vi que a chama faiscava e irrompia. E eis! A atmosfera repentinamente ergueu-se em uma esfera escura de grande magnitude, e aquela chama pairou sobre ela e desferiu-lhe um golpe atrás do outro, que dela arrancaram faíscas, até que aquela atmosfera tornou-se perfeita, e assim céu e terra ficaram completamente formados e resplandecentes. Então a mesma chama estava naquele fogo, e aquela ardência estendeu-se a um montículo de lama que jaz no fundo da atmosfera, e aqueceu-o, de modo que ele se transformou em carne e sangue, e soprou sobre ele até que se ergueu sob a forma de um ser humano. Quando isso foi feito, o fogo ardente, por meio daquela chama que ardia abrasadoradamente com um suave sopro, ofereceu ao humano uma flor branca, que pendia daquela chama, tal como o orvalho pendura-se na relva. Seu perfume chegou as narinas do humano, mas ele não a saboreou com sua boca, nem a tocou com suas mãos, e assim, ele virou-se e caiu na mais espessa escuridão, da qual ele não podia tirar a si mesmo. E aquela escuridão cresceu e estendeu-se cada vez mais na atmosfera. Mas, em seguida, três grandes estrelas, aglomerando-se em seu esplendor, apareceram na escuridão, depois, muitas outras, grandes e pequenas, brilhando com grande fulgor, e posteriormente uma estrela gigantesca, radiante com maravilhoso esplendor, que lançava seus raios em direção à chama. E na terra, também, apareceu uma radiação como a aurora, dentro da qual a chama era miraculosamente absorvida sem que fosse separada do fogo ardente. E assim, na radiação daquela aurora, a Suprema Vontade estava acesa.
E enquanto eu estava tentando ponderar mais cuidadosamente este inflamar-se da vontade, fui interrompida por um selo secreto sobre esta visão, e ouvi a voz do alto a dizer-me: “Não te é permitido ver nada mais a respeito deste mistério, a menos que isso te seja concedido por um milagre de fé”.   
E vi um ser humano sereno desta radiante aurora, que derramava sua luminosidade na escuridão; e ela o rechaçou com grande ímpeto, de modo que ele derramou nela a vermelhidão do sangue e a brancura da palidez, e desferiu tamanho golpe contra a escuridão que a pessoa que jazia nela foi tocada por ele, assumiu uma aparência luminosa e saiu dela aprumado. E assim o Ser Humano sereno, que saíra daquela aurora, brilhou mais radiantemente do que a língua humana pode contar, dirigiu seus passos rumo à máxima altura de inestimável glória, onde ele irradiava na plenitude de maravilhosa fecundidade e fragrância. E ouvi a voz a dizer-me de dentro do supramencionado fogo vivente: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 217).


Então vi uma brilhante luz, e nesta luz, a figura de um homem da cor de uma safira, a qual estava toda inflamada por um suave fogo ardente. E aquela brilhante luz banhava a totalidade do fogo ardente, e o fogo ardente banhava a brilhante luz; e a brilhante luz e o fogo ardente banhavam-se sobre toda a figura humana, de modo que os três eram uma luz em um poder de potencial. E novamente ouvi a luz vivente a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 233).


Depois disso, vi a imagem de uma mulher tão ampla quanto uma grande cidade, com uma maravilhosa coroa na cabeça e braços dos quais pendiam um esplendor como mangas, brilhando do céu para a terra. Seu ventre era perfurado como uma rede, com muitas aberturas, com uma enorme multidão de pessoas entrando e saindo. Não tinha nem pernas nem pés, mas permanecia equilibrada sobre seu ventre sobre o altar que fica perante os olhos de Deus, abrancaçando-o com suas mãos estendidas e contemplando de maneira penetrante, com seus olhos, toda a extensão do céu. Não pude perceber todo o seu vestuário, exceto que ela estava ativada com grande esplendor e cintilava com lúcida serenidade, e em seu peito brilhava uma radiação vermelha como a aurora; e ouvi um som de todos os tipos de música cantando a respeito dela: “Como a aurora, cintilando magnificamente”.
E aquela imagem difunde seu esplendor como uma veste, dizendo: “Devo conceber e dar a luz”! E de repente, como um relâmpago, apressou-se para ela uma multidão de anjos, construindo escadarias e assentos dentro delas para as pessoas, pelas quais a imagem devia ser aperfeiçoada.
Então vi crianças negras movendo-se no ar, perto do chão, como peixes na água, e elas entravam no ventre da imagem através das aberturas que a perfuravam. Mas ela gemia, puxando-os para cima, para a cabeça dela, e elas saíam por sua boca, enquanto ela permanecia intocada. E eis que aquela luz serena, com a figura de um homem em si, ardendo com um fogo reluzente, que eu vira em minha visão anterior, apareceu-me novamente, e despiu cada um deles da pele escura e atirou-a longe; e vestiu cada um deles com uma veste de puro branco e abriu-lhes a luz serena, dizendo-lhes um a um: “Despi-te da antiga injustiça, e reveste-te da nova santidade. Pois o portão de tua herança está aberto para ti. […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 243).


Então vi a imagem de uma imensa torre redonda, toda feita de uma única pedra branca com três janelas em seu topo, do qual irradiava tamanho brilho que até mesmo a cobertura da torre, que era construída como um cone, mostrava-se claramente à sua luz. Estas janelas estavam adornadas ao redor com belas esmeraldas. E a torre ficava diretamente atrás da imagem da mulher descrita na visão anterior, tal como uma torre é colocada na muralha de uma cidade, de modo que, por causa de sua força, a imagem não podia cair.
E vi aquelas crianças que, conforme mencionado anteriormente, havia passado através do ventre da imagem, brilhando com grande esplendor; algumas delas estavam adornadas com a cor dourada desde a fronte até os pés, mas outras careciam desta cor e tinham apenas a luminosidade. E algumas destas crianças estavam olhando para um puro e brilhante esplendor, mas o restante, para um turbulento lampejo vermelho, situado a leste. Dentre aqueles que estavam meditando sobre o puro e brilhante esplendor, alguns tinham olhos claros e pés fortes, e estavam marchando adiante vigorosamente no ventre da imagem; outros, porém, tinham olhos fracos e pés atrofiados, e eram jogados para lá e para cá pelo vento. Estes, no entanto, tinham um bastão em suas mãos, e voavam diante da imagem e às vezes a tocavam, embora languidamente. Outros ainda tinham olhos calmos, mas pés fracos, e moviam-se para frente e para trás, no ar, diante da imagem; e outros tinham olhos fracos e pés fortes, mas eles caminhavam diante da imagem langorosamente. Contudo, dentre os que estavam completando o turbulento lampejo vermelho, alguns estavam bem ornamentados e avançavam para dentro da imagem com vigor; outros, porém, desligavam-se dela e atacavam-na e quebravam-lhe as regras estabelecidas. Entre estes, alguns, mediante o fruto da penitência, humildemente retornavam a ela, mas outros, por teimosia e negligência, permaneciam na arrogância do caminho da morte. E mais uma vez ouvi a voz do céu a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 271).


Depois disso, vi que um esplendor branco como a neve e translúcido como o cristal havia brilhado ao redor da imagem daquela mulher, do topo da cabeça dela até a garganta. E de sua garganta até o umbigo outro esplendor, de cor vermelha, havia-a envolvido, reluzindo como a aurora, da garganta dela até os seios e brilhando de seus seios até o umbigo, misturado com púrpura e azul. E onde ela refulgia como a aurora, sua luminosidade continuava a brilhar tão auto quanto os lugares secretos do céu; e nessa luminosidade, apareceu uma belíssima imagem de uma donzela, com a cabeça a descoberto e de cabelos negros, usando uma túnica vermelha, que lhe chegava até os pés.
E ouvi a voz do céu a dizer-me: “Este é o florescer da Sião celeste, a mãe e a flor das rosas e dos lírios do vale. Ó flor, quando, em teu tempo, fores fortalecida, produzirás a mais renovada das posteridades”.
E ao redor da donzela, vi uma grande multidão de pessoas de pé, mais brilhantes do que o sol, todas maravilhosamente adornadas com ouro e gemas. Algumas dentre elas tinham as cabeças veladas de branco, adornadas com auréolas; e acima delas, como que escupida nos véus, havia a semelhança da gloriosa e inefável Trindade, como me foi representada anteriormente, e em suas frontes, o Cordeiro de Deus, e em seu pescoço, uma figura humana, e no ouvido direito, querubins, e no ouvido esquerdo, outros tipos de anjos; e da semelhança da gloriosa e elevada Trindade, raios dourados estendiam-se a estas outras imagens. E entre essas pessoas, havia algumas que tinham mitras em suas cabeças e pálios do ministério episcopal ao redor dos ombros. E novamente ouvi a voz do alto dizendo: “Estas são as filhas de Sião, e com elas, as harpas dos arpistas e todos os tipos de instrumentos musicais, e a voz de a satisfação, e a alegria das alegrias”.
Contudo, por baixo daquele esplendor, que cintilava como a aurora, vi aparecer entre o céu e a terra, uma espessa escuridão, cujo horror excedia o que a língua humana é capaz de narrar. E mais uma vez ouvi a voz do céu a dizer-me: “Se o Filho de Deus não tivesse sofrido na cruz, essa escuridão significaria que nenhuma pessoa poderia alcançar a glória celestial”.
E onde o esplendor brilhava, que era misturado de púrpura e azul, ele circundavam a imagem da mulher com grande ardor. Mas outro esplendor, como uma nuvem branca, pudicamente envolvia a imagem do umbigo para baixo, até o ponto em que não havia ainda continuado a crescer. E esses três esplendores ao redor daquela imagem brilhavam a distância, mostrando que dentro dela muitos degraus e escadas estavam apropriadamente bem colocados.
E quando vi estas coisas, fui tomada de grande tremor; faltaram-me as forças, e caí por terra incapaz de falar. E eis! Um grande esplendor tocou-me como uma mão, e recuperei as forças e a voz. E daquele esplendor, mais uma vez, ouvi uma voz dizendo: “Estes são grandes mistérios”. […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 287).




Depois destas coisas, vi o Filho de Deus pendendo da cruz, e a supramencionada imagem de uma mulher surgindo do antigo conselho como uma radiação brilhante. Pelo poder divino, ela foi levada a ele, e ela mesma ergueu-se, de modo que foi aspergida pelo sangue do lado dele; e assim, pela vontade do Pai celestial, ela foi unida a ele em feliz noivado e nobremente dotada com seu corpo e sangue.
E ouvi a voz do céu dizendo a ele: “Meu Filho, que ela possa ser tua Noiva para a restauração de meu povo; que ela possa ser mãe para ele, regenerando almas através da salvação do Espírito e da água”.
E à medida que a imagem crescia em força, vi um altar, de que ela frequentemente se aproximava, e ali, cada vez, olhava devotamente para seu dote e, modestamente, mostrava-o ao Pai celestial e a seus anjos. Por conseguinte, quando um sacerdote, revestido de vestes sagradas, aproxima-se do altar para celebrar os divinos mistérios, vi que uma grande luz calma foi trazida do céu para o altar, por anjos, e brilhou ao redor do altar até que o rito sagrado fosse concluído e o sacerdote se tivesse afastado dele. E quando o Evangelho da paz havia sido recitado e a oferenda a ser consagrada havia sido colocada sobre o altar, e o sacerdote havia cantado o louvor ao Deus Altíssimo – “Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos exércitos” - o qual começava o mistério dos ritos sagrados, o céu abriu-se repentinamente e um brilho ígneo e inestimável desceu sobre aquela oferenda e iluminou-a completamente com luz, como o sol ilumina qualquer coisa que seus raios atravessam. E, iluminando-a assim, o brilho levou-a para o alto, para os lugares secretos do céu e, em seguida, recolocou-a sobre o altar, como uma pessoa puxa o fôlego e o solta novamente; e, deste modo, a oferenda foi feita verdadeira carne e verdadeiro sangue, embora a vista humana parecesse pão e vinho.
E enquanto eu olhava essas coisas, subitamente apareceram diante de meus olhos, como em um espelho, os símbolos da Natividade, da Paixão e do Sepultamento, da Ressurreição e da Ascensão de Nosso Senhor, o Unigênito de Deus, conforme aconteceram ao Filho de Deus enquanto ele estava na terra. Mas quando o sacerdote cantou a canção do Cordeiro inocente, “Ó Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo”, e preparou-se, ele mesmo, para receber a santa comunhão, o brilho ígneo retirou-se para o céu; e quando este se fechou, ouvi a voz dali, dizendo: “Come e bebe o corpo e o sangue de meu Filho para apagar a transgressão de Eva, de modo que possas ser restaurada à nobre herança”. E conforme outras pessoas se aproximavam do sacerdote para receber o sacramento, observei cinco modos de ser nelas. Efetivamente, alguns eram brilhantes de corpo e flamejantes de alma, e outros pareciam pálidos de corpo e sombreados de alma; alguns eram peludos no corpo e pareciam sujos na alma, porque ela estava pervagada por impura conspurcação humana; outros tinham agudos espinhos ao redor do corpo e eram leprosos de alma; e outros pareciam de corpo sangrento, e, de almas podres com um corpo em decomposição. E todos estes receberam os mesmos sacramentos; e à medida que o faziam, alguns eram banhados em brilho ígneo, mas os outros eram adumbrados por uma nuvem escura.
E quando estes mistérios terminaram, quando o sacerdote retirou-se do altar, a calma luz do céu, que, como disse, havia brilhado ao redor de todo o altar, foi puxada novamente para os lugares secretos do céu. E, mais uma vez, ouvi a voz dos céus supernos, dizendo-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 343).




Em seguida, vi uma lâmpada ardente, tão grande e tão alta quanto uma montanha, dividida em seu cume, como se fossem muitas línguas. E ali, na presença desta luz, encontrava-se de pé uma multidão vestida de branco, diante da qual havia sido colocado algo semelhante a uma tela de cristal translúcido, que lhe chegava do peito aos pés. E ali, diante da multidão, como se estivesse em uma estrada, deitado de costas, jazia um monstro que tinha a forma de um verme, fantasticamente grande e longo, que despertava uma indescritível sensação de horror e raiva. À esquerda dele, havia um tipo de feira livre, que exibia a riqueza humana e os prazeres mundanos, e vários tipos de mercadorias; e algumas pessoas estavam correndo mui rapidamente no meio dela, sem nada comprar, enquanto outras andavam lentamente, parando tanto para vender quanto para comprar. Ora, aquele verme era negro e ouriçado, coberto de feridas e de pústulas, e estava dividido em em cinco seções, da cabeça, passando pela barriga, até os pés, como tiras. Uma era verde, outra branca, outra vermelha, outra amarela e outra preta; e estavam cheias de veneno mortal. Contudo, sua cabeça havia sido tão esmagada, que o lado esquerdo de sua mandíbula estava deslocado. Seus olhos eram sangrentos na superfície e ardentes interiormente; suas orelhas eram redondas e ouriçadas; seu nariz e boca eram de uma víbora, suas mãos humanas, seus pés eram pés de víbora e sua calda, curta e horrível. E ao redor de seu pescoço tinha rebitada uma corrente, que também ligava suas mãos e pés; e essa corrente estava firmemente presa a uma rocha no abismo, prendendo-o, de modo que não podia mover-se conforme sua perversa vontade desejava. Muitas chamas saíam de sua boca, dividindo-se em quatro partes: uma parte subia para as nuvens, outra exalavam entre as pessoas seculares, outra entre pessoas espirituais e a última descia para o abismo.
E a chama que buscava as nuvens opunha-se às pessoas que desejavam alcançar o céu. E vi três grupos destas. Um estava perto das nuvens, outro no espaço intermediário entre as nuvens e a terra, e outro movia-se perto da terra; e todos estavam gritando repetidamente: “Deixai-nos alcançar o céu”. Mas a chama as fazia rodopiar para lá e para cá; algumas não oscilavam, outras simplesmente conservavam o equilíbrio, e algumas caíam por terra, mas, em seguida, levantavam-se e partiam rumo ao céu. A chama que insuflavam entre as pessoas seculares queimou algumas delas, de forma que elas ficaram horrivelmente enegrecidas, e a outras, transfixou, de modo que podia movê-las para onde quer que desejasse. Algumas escaparam da chama e voltaram-se na direção daqueles que buscavam o céu, repetindo gritos de “Ó vós que sois fiéis, ajudai-nos!”. Mas outras permaneciam transfixadas. Entrementes, a chama que insuflava entre as pessoas espirituais ocultava-as na escuridão, mas eu as vi em seis categorias. Com efeito, algumas delas foram cruelmente feridas pela fúria da chama, quando, porém, ela não podia ferir uma delas, ela insuflava ardentemente sobre elas o veneno mortal que jorrava da cabeça do verme até os pés, ora verde, ora branco, ora vermelho, ora amarelo, ora negro. Mas a chama que buscava o abismo continha em si diversos tormentos para aqueles que havia adorado Satã em lugar de Deus, não se lavaram na fonte do batismo, nem conheceram a luz da verdade e da fé.
E vi flechas agudas sibilando ruidosamente de sua boca, e fumaça negra exalando de seu peito, e um fluido ardente ebulindo de seus rins, e um redemoinho quente soprando de seu umbigo, e a impureza de sapos que saem de suas entranhas; todas elas atingiram os seres humanos com grande inquietude. E o terrível e fétido vapor que saia dele infectou muitas pessoas com sua própria perversidade. Mas, eis que apareceu uma grande multidão de pessoas, brilhando esplendorosamente; elas pisotearam vigorosamente o verme e atormentaram-no severamente, mas não podiam ser feridas nem por suas chamas nem por seu veneno. E ouvi novamente a voz do céu, dizendo-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 427).







E, eu uma pessoa tirada dentre outras pessoas – embora indigna de ser chamada humana, visto que transgredi a Lei de Deus e tenho sido injusta, quando deveria ter sido justa, exceto que pela graça de Deus sou sua criatura e serei salva – olhei para o Oriente. E ali vi um monólito, incomensuravelmente largo e alto, de cor ferruginosa, com uma nuvem branca por cima dele; e acima da nuvem, um trono real, de forma arredondada, no qual Alguém estava sentado, vivendo e brilhando, e maravilhoso em sua glória, e tão brilhante que eu não podia distingui-lo claramente. Ele mantinha em seu peito o que se parecia com uma lama negra e suja, do tamanho de um coração humano, rodeado de pedras preciosas e de pérolas.
E este que brilhava, sentado no trono, expandia-se um grande círculo de ouro colorido, como a aurora, cujo âmbito não pude captar; ele girava mais ou menos do leste ao norte, e ao oeste, e ao sul, e de volta, em direção ao leste, àquele que brilhava, e não tinha fim. E aquele círculo estava tão alto acima da terra que eu não podia apreendê-lo; e ele brilhava com uma radiação aterrorizante, da cor de pedra, aço e fogo, que se estendia por toda a parte, das alturas do céu à profundeza do abismo, de modo que eu não podia ver-lhe o fim.
E em seguida, vi uma grande estrela, esplêndida e bela saindo daquele que estava sentado no trono. E com aquela estrela veio uma grande multidão de faíscas brilhantes que seguiam a estrela rumo ao sul, observando aquele que estava sentado no trono como um estrangeiro; elas afastavam-se dele e partiram rumo ao norte, em vez de contemplá-lo. Mas, no ato mesmo de desviarem o olhar, foram todas extintas e transformadas em cinzas negras.
E eis que um redemoinho elevou-se daquelas cinzas, varrendo-as do sul, por trás daquele que estava sentado no trono, e levou-as para o norte, onde foram precipitadas no abismo e desapareceram de minha vista. Mas quando elas foram extintas, vi a luz, que foi tirada delas, voltar imediatamente para aquele que se assentava no trono.
E ouvi aquele que se assentava no trono a dizer-me: “Escreve o que vês e ouves”. E, a partir do conhecimento interior daquela visão, repliquei: “Suplico-vos, meu Senhor, concedei-me compreensão, para que, por meu relato, eu possa ser capaz de tornar conhecidas estas coisas místicas; não me abandoneis, mas fortalecei-me pela aurora de vossa justiça, na qual vosso Filho foi revelado. Concedei-me tornar conhecido o conselho divino, que foi ordenado nos tempos antigos, conforme eu puder e dever: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 449).


Então eu vi,dentro da circunferência do círculo, que se expandia daquele que estava sentado no trono, uma grande montanha, unida em sua base àquele imenso bloco de pedra sobre o qual estavam a nuvem e o trono com seu ocupante; de modo que a pedra foi prolongada até uma grande altura e a montanha foi expandida para baixo, a uma ampla base.
E sobre aquela montanha achava-se um edifício de quatro lados, formando à semelhança de uma cidade cercada por quatro muros; estava situada em um ângulo, de modo que um de seus cantos voltava-se para o leste, outro está de frente para o oeste, outro para o norte e outro para o sul. O edifício tinha um muro ao redor, mas feito de dois materiais: um era uma luz brilhante como a luz do céu, e o outro eram pedras unidas. Esses dois materiais encontravam-se nos cantos leste e norte, de modo que a parte brilhante do muro passava ininterruptamente do canto leste para o canto norte, e a parte pétrea ia do canto norte, ao redor dos cantos leste e sul, e terminava no canto leste. Contudo, aquela parte do muro era interrompida em dois lugares, no lado oeste e no lado sul.
Esse edifício tinha cem côvados de comprimento e cinquenta côvados de largura, de modo que os dois muros laterais eram de igual comprimento. Mas os quatro muros eram de altura similar, exceto os baluartes, que eram um pouco mais altos.
Entre o edifício e a luz do círculo, que se estendia da altura até o abismo, no cimo do canto leste, havia apenas a largura de um palmo; mas nos cantos norte e oeste, e no canto sul, a largura da separação entre o edifício e a luz era tão grande que eu não podia captar-lhe a extensão.
E dado que eu estava maravilhada, aquele que estava sentado no trono disse-me novamente: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 471).




Depois disso, olhei e eis que, no meio da parte brilhante do muro exterior do edifício, achava-se uma torre ferruginosa, que fora construída a parte do lado exterior. Tinha quatro côvados de largura e sete côvados de altura. Nela, vi cinco figuras, de pé, separadamente, cada uma em seu próprio arco, com uma torrezinha cônica acima. A primeira destas tinha o rosto voltado para o leste, a segunda para o nordeste, a terceira para o norte e a quarta, a coluna da Palavra de Deus, em cuja base estava o patriarca Abraão; e a quinta voltava-se para a torre da Igreja e para as pessoas que se azafamava aqui e ali no edifício.
E as cinco figuras pareciam-se umas com as outras no estarem vestidas com roupas de seda e sapatos brancos, a exceção da quinta, que estava vestida de armadura em todos os pontos. A segunda e a terceira estavam com a cabeça descoberta, tinham cabelos brancos soltos, e não vestiam capa alguma; a primeira, a terceira e a quarta vestiam túnicas brancas; e esta era toda a diferença entre elas.
A primeira figura trazia na cabeça uma mitra episcopal, e tinham cabelos brancos soltos; e ela usava um pálio branco, cujas duas bordas estavam adornadas por dentro com púrpura bordada. Em sua mão direita, ela segurava lírios e outras flores, e em sua mão esquerda, uma folha de palmeira. E ela disse: “O doce vida, ó doce abraço da vida eterna, ó bem-aventurada felicidade em que consistem as recompensas eternas! De fato, vós estais sempre em verdadeiro deleite, e assim jamais posso estar saturada ou saciada com a alegria interior que está em Deus”.
E a segunda estava vestida com uma túnica púrpura, e ficava de pé como uma jovem que ainda não atingiu a adultidade, mas é muito séria. E ela disse: “Nem o terrível inimigo, que é o diabo, nem a hostilidade dos humanos, nem este mundo irão assustar-me, pois permaneço na disciplina de Deus e estou constantemente à sua vista”.
A terceira cobria o rosto com a manga branca que revestia seu braço direito, e dizia: “Ó imundice e impureza deste mundo! Escondei-vos e fugi de meus olhos, pois meu amado nasceu da Virgem Maria”.
A quarta tinha a cabeça velada de maneira feminina, com um véu branco, e vagueava com sua capa amarela. Em seu peito havia uma imagem de Jesus Cristo e ao redor dela estava escrito: “Pelas profundezas da misericórdia de nosso Deus, na qual a aurora do alto nos visitou” (Lc 1,78). E ela disse: “Estendo minhas mãos sempre a peregrinos, e aos necessitados, e aos pobres e fracos, e aqueles que gemem”.
Mas a quinta estava armada e munida de um capacete na cabeça, e uma couraça e caneleiras, e luvas de ferro; um escudo pendia de seu ombro esquerdo; ela estava cingida com uma espada e segurava uma lança em sua mão direita. E sob seus pés, jazia um leão, de boca aberta e língua de fora, e também se achavam algumas pessoas; algumas delas estavam tocando trombetas, outras fazendo bobagens com instrumentos usados em espetáculos, e algumas estavam jogando vários jogos. E aquela figura colocava o leão sob seus pés e, ao mesmo tempo, perfurava estas pessoas com a lança que segurava em sua mão direita. E ela disse: “Eu venço o forte diabo, e a vós também, odeio a inveja, e imundície, com vossos truões enganosos”.
E dentro do edifício, vi duas outras figuras que estavam de pé diante desta torre. A primeira estava de pé no piso do edifício, em um nicho de ígneo esplendor, cujo interior estava pintado com quadros de vários espíritos maus, e que estava do lado oposto da torre. A outra figura estava de pé perto deste nicho, mas estava fora e não tinha nicho próprio. Às vezes, ambas as figuras olhavam para a torre e às vezes para as pessoas que estavam entrando e saindo do edifício. Estas figuras estavam também vestidas com roupas de seda e cobertas, à moda feminina, com véus brancos, e não usavam capas, mas traziam sapatos brancos.
E a primeira destas trazia na cabeça uma coroa trilateral, de um vermelho brilhante, como o jacinto, e estava vestida com uma túnica branca, com bordados verdes em todas as dobras. E ele disse: “Eu venço o leste com a potência do Filho de Deus, que proveio do Pai e veio ao mundo para remir a humanidade, e depois morreu em grande sofrimento na cruz, ressurgiu dos mortos, subiu ao céu e voltou ao Pai. Portanto, não serei confundida, mas fugirei das misérias e das dores deste mundo”.
E a segunda estava vestida com uma túnica branca, que era levemente colorida; e em seu braço ela trazia uma cruz com a imagem do Salvador, sobre a qual inclinava a cabeça. E ela disse: “Esta criança suportou muitas aflições neste mundo e, portanto, eu chorarei e conhecerei sempre a aflição por amor à eterna alegria, à qual a boa ovelha será conduzida pelo Filho de Deus”.
E vi que todas essas figuras estavam proferindo seus discursos individuais, através dos mistérios de Deus, para admoestar os humanos. E novamente aquele que está sentado no trono, que me estava mostrando todas estas coisas, disse-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 495).




Então, do outro lado da torre da prelibação da vontade de Deus, um côvado além do canto que está voltado para o norte, ligada ao lado externo da parte brilhante do muro principal do edifício, vi uma coluna da cor de aço, a mais terrível de se ver, e tão grande e tão alta que eu não podia fazer-me ideia de suas medidas. E a coluna estava dividida, da base ao cimo, em três lados, com arestas agudas como uma espada; a primeira quina estava voltada para o leste, a segunda para o norte e a terceira para o sul, e a última estava um tanto fundida com o muro externo do edifício.
Da aresta que estava voltada para o leste, cresciam ramos da raiz ao cume. Na raiz, vi Abraão sentado no primeiro ramo; em seguida, Moisés no segundo; depois, Josué no terceiro; e, por fim, o resto dos patriarcas e profetas, um sobre o outro, em cada ramo, sentados na ordem segundo a qual eles se sucederam no tempo. Todos eles estavam olhando para a aresta da coluna que estava voltada para o norte, admirando as coisas que eles conseguiam ver com a visão espiritual acontecendo ali, no futuro.
Mas, entre as duas arestas, a que estava voltada para o leste e a que estava voltada para o norte, o lado da coluna para o qual aqueles patriarcas e profetas voltavam seus rostos, da base ao topo, era redondo, como se tivesse sido torneado em um torno mecânico, e enrugado como a casca de uma árvore que produz brotos.
E da segunda quina, a que estava voltada para o norte, saía uma radiação maravilhosamente brilhante, que resplandecia e refletia até a aresta que estava voltada para o sul. E na radiação que era tão largamente difusa, vi apóstolos, mártires, confessores e virgens, e muitos outros santos, caminhando com grande alegria.
E a terceira aresta, a que estava voltada para o sul, era ampla e larga no meio, mas fina e estreita na base e no topo, como um arco retesado e pronto para lançar flechas. E no cimo da coluna, via uma luz tão brilhante que língua humana não pode descrever; e nessa luz apareceu uma pomba, de cuja boca saía um raio dourado, que lançava resplandecente luz sobre a coluna.
E quando olhei para isso, ouvi do céu uma voz aterrorizante, repreendendo-me e dizendo: “O que vês é divino! E ao ouvir essa voz, tremi tanto que já não ousava olhar para lá.
Em seguida, vi no interior do edifício uma figura de pé, no piso, diante desta coluna, às vezes olhando para ela e às vezes para as pessoas que estavam indo de um lado para o outro no edifício. E aquela figura era tão brilhante e gloriosa, que eu podia olhar para sua face ou para suas vestes, devido ao esplendor com ela brilhava; eu apenas vi que, como as outras virtudes, ela parecia em forma humana.
E ao redor dela, vi uma maravilhosa multidão, com aparência e asas de anjos, de pé em grande veneração, pois eles tanto a temiam quanto a amavam. E diante da face dela, vi outra multidão, com a aparência de seres humanos, em vestes escuras; e eles estavam de pé, imóveis, reverentes.
E a figura olhou para as pessoas que entravam, vindas do mundo e, no edifício, vestiam uma nova roupagem; e ela disse a cada uma delas: “Considerai a vestimenta que vestistes, e não esqueçais vosso Criador, que vos fez”. E enquanto eu me maravilhava perante essas coisas, aquele que está sentado no trono falou-me novamente. […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 515).


Depois disso, olhei e eis que, no canto norte, onde os dois tipos de muros do edifício se juntavam, apareceu uma cabeça de forma maravilhosa, fincada firmemente pelo pescoço no lado de fora do canto, à mesma altura do chão a que o próprio muro se elevava naquele canto e não mais alto, de modo que o cimo da cabeça igualava exatamente o topo do muro. E essa cabeça era de cor ígnea, faiscando como uma chama flamejante; e tinha uma terrível face humana, que olha com grande ira em direção ao norte.
Do pescoço para baixo, não vi nada do corpo desta figura, pois o resto dela estava escondido por sua compressão no canto. Mas vi sua cabeça, uma cabeça humana descoberta. Não estava coberta com cabelos, como a cabeça de um homem, nem por um véu, como a cabeça de uma mulher, mas era mais masculina do que feminina, e muito medonha de se ver.
Tinha três asas de espantosa largura e extensão, brancas como uma nuvem; não estavam levantadas, mas completamente estendidas, de modo que a cabeça estava ligeiramente mas elevada do que elas. A primeira elevava-se do lado direito do maxilar e estendia-se rumo ao nordeste; a segunda, e intermediária, apontava da garganta para o norte, e a terceira estendia-se do lado esquerdo do maxilar em direção ao oeste. Às vezes estas asas se moviam, mui terrivelmente, e golpeavam estas regiões, mas depois de algum tempo, paravam de golpear. E não vi a cabeça pronunciar nenhuma palavra; ela apenas permanecia imóvel no corpo e golpeava, com suas asas, de tempos em tempos, os lugares em direção aos quais se estendiam. E, mais uma vez ouvi aquele que se sentava no trono a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 535).


E depois disso, vi o muro do supramencionado edifício que se estendia entre os cantos norte e oeste, e seu lado interior é todo arqueado com um presbitério, exceto que não era aberto como os arcos de um presbitério, mas intactos, e cada arco trazia uma imagem de um ser humano. E do lado de fora deste muro, vi dois muros menores, que se estendia do canto norte ao oeste, e juntavam-se a esses cantos em cada extremidade, como uma abóbada. A altura destes dois muros menores era de três côvados. A distância entre o muro interior, arqueado, e o muro intermediário era de um côvado; entre o muro intermediário e o exterior, era de um palmo, o de uma criança.
E dentro do edifício, vi seis figuras de pé em seu piso, diante do muro arqueado: três estavam agrupadas juntas diante do muro, perto do canto norte, e três estavam juntas na extremidade do muro que estava voltado para o oeste. E elas estavam olhando para as imagens nos arcos do muro.
E na mesma extremidade do muro, vi outra figura dentro do edifício, sentada sobre uma pedra que estava ali no piso, como um assento, e reclinando-se contra o muro à sua direita, mas voltando sua face para a coluna da verdadeira Trindade. E na mesma extremidade, vi outra figura, de pé, sobre o muro, acima da primeira, também voltada para a coluna da verdadeira Trindade.
E nestas figuras, vi as seguintes semelhanças: as duas últimas estavam vestidas com roupas de seda e traziam sapatos brancos, tal como as primeiras seis; exceto que a figura da direita, no grupo das três que estavam de pé na extremidade do muro, era tão pura e brilhante que eu não podia discernir nenhum detalhe a respeito dela, por causa de seu grande esplendor, e aquela que estava de pé sobre o muro, estava usando sapatos pretos. E nenhuma destas usava capa, à exceção da do meio das três que estava de pé no início do muro; ela estava usando uma capa.
E duas destas mesmas três, as que estavam à direita e à esquerda do muro intermediário, e duas das outras três, a figura do meio e a da esquerda, não tinha véus de mulheres em suas cabeças, mas estavam de pé, com cabeças descobertas e de cabelos brancos. Mas a do meio das três primeiras e aquela que se sentava sobre a pedra, perto do muro, tinham véus brancos à maneira de mulheres. E a do meio e as da direita do segundo grupo de três estavam vestidas com túnicas brancas. E eu vi as seguintes diferenças entre elas:
A figura que estava de pé no meio das três primeiras tinha uma auréola amarela como uma coroa em sua cabeça, com esta inscrição esculpida no lado direito: “Arder sempre!”. E eu vi que uma pomba estava voando no lado direito desta figura expirando este escrito pelo bico. E aquela figura estava dizendo: “Sou derramada a partir da íntima compaixão, da qual brota o rio da misericórdia, que jamais tenta ocultar dinheiro ou pedras preciosas, ou pérolas do pobre e do necessitado, sob nenhum pretexto, pois eles não têm o indispensável para a vida e, portanto, estão chorando. Eu os consolarei e aliviarei para sempre sua pobreza por amor do doce e meigo Filho de Deus, que distribui seus bens nas almas dos justos, e cura as feridas de seus pecados, por causa da penitência deles”.
E a segunda figura, de pé à direita dela, tinha um leão no peito que emitia luz como um espelho; e do pescoço até o peito, em um bastão retorcido, flexível, pendia uma serpente de cor pálida. E ela disse: “Eu contemplo o leão que d´luz, e dou por causa de seu amor. Fujo da serpente ígnea, mas amo a serpente que pende do bastão”.
E a terceira figura, à esquerda, estava vestida com uma túnica de jacinto vermelha. Em seu peito havia a figura de um anjo, com uma asa de fora, de cada lado, de moda que a asa direita se estendia sobre o ombro direito da figura e a asa esquerda sobre seu ombro esquerdo. E essa figura disse: […]. Ora, a figura que estava de pé no meio das três segundas estava vestida de túnica amarela. Acima de seu ombro direito, pairava uma pomba de brancura extraordinária, bafejando-lhe ao ouvido direito. Em seu peito, havia a imagem de uma cabeça humana monstruosa e disforme; sob seus pés, jaziam as similaridades de pessoas pisoteadas e esmagadas por ela. Em sua mão ela segurava um documento, completamente desenrolado; de um lado, o lado que estava voltado para o céu, havia sete linhas de escrita. Tentei lê-las, mas não consegui. E ela disse: […].
A segunda figura à direita dela, tinha uma face angélica e asas capazes de voar, estendidas para cada lado. Mas ela estava em forma humana, com as outras virtudes. E ela disse: […].
E a terceira figura à esquerda, estava vestida com uma túnica branca, com destaques verdes; tinha na mão um pequeno vaso, pálido e brilhante, que emitia luz branca como relâmpago, e essa luz brilhava no rosto e no pescoço da figura. E ela disse: […].
Ora, afigura que se assentava sobre a pedra nesta extremidade do muro estava vestida com uma túnica negra. Sobre o ombro direito, trazia uma pequena cruz com a imagem de Jesus Cristo, a qual girava para lá e para cá. E como que das nuvens, brilhava no peito dela uma luz maravilhosamente reluzente, dividida em muitos raios, como o esplendor do sol quando brilha através dos muitos orifícios de um objeto. Em sua mão direita segurava um pequeno ramo, como um leque, de cujo topo três rebentos haviam desabrochado em flor. E no seio, ela trazia algumas pedras pequeninas, joias de todos os tipos, para as quais ela olhava cuidadosamente, tal como um mercador inspeciona suas mercadorias. E ela disse: […].
A figura que estava de pé sobre o muro, na mesma extremidade, estava de cabeça descoberta, com cabelos pretos encaracolados e rosto moreno. Estava vestida com uma túnica de muitas cores diferentes. E vi que ela tirou a túnica e os sapatos, e ficou nua; e repentinamente seu cabelo e sua face lampejaram de um branco recente, como uma criança recém-nascida, e todo seu corpo brilhava como luz. E, em seguida, vi em seu peito uma cruz esplêndida com a imagem de Cristo Jesus; estava pintada acima de um pequeno arbusto que trazia duas flores, um lírio e uma rosa, que se estendiam em direção à cruz. E vi-a bater vigorosamente a túnica e os sapatos que ela havia tirado, de modo que grande quantidade de pó saiu deles. E ela disse: […].
E quando olhei atentamente para estas coisas, aquele que está assentado no trono novamente falou-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 559).


Em seguida, vi no canto oeste do edifício, uma coluna maravilhosa, secreta e supremamente forte, de cor púrpuro-preta. Estava situada de tal modo no canto que se sobressaía tanto para dentro quanto para fora do edifício. E era tão grande em extensão, que nem seu tamanho nem sua altura eram claros à minha compreensão. Eu apenas vi que era miraculosamente plana e sem asperezas.
A parte exterior tinha três arestas da cor de aço, que se projetavam como afiados gumes de espada, da base ao topo. Uma destas voltava-se para o sudoeste, onde grande quantidade de palha seca jazia cortada e dispersa por ela; outra estava voltada para o noroeste, onde muitas asinhas haviam sido cortadas por ela e tinham caído; e a aresta do meio encarava o oeste, onde jaziam, em decomposição, muitos ramos que haviam sido cortados. Todos estes haviam sido cortados por aqueles gumes devido à própria temeridade.
E, novamente, aquele que se assentava no trono e me mostrava todas estas coisas, disse-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 591).


Em seguida, vi, no lado sul do edifício, além da coluna da verdadeira Trindade, uma coluna grande e ensombreada, que se projetava tanto para dentro quanto para fora do edifício, e ela era tão obscura a minha vista, que eu não podia dizer seu tamanho ou altura. E entre essa coluna e coluna da verdadeira Trindade, havia uma lacuna de três côvados de largura no muro, conforme mencionado acima (Livro III Visão Segunda); somente o alicerce tinha sido colocado.
Assim, esta coluna sombreada estava erguida no mesmo lugar no edifício onde eu vira anteriormente, nos mistérios celestiais concedidos do alto por Deus, uma grande radiação quadrilátera de pureza brilhante (Livro I Visão Quarta). Essa radiação, que significa os segredos do Criador supernal, foi-me mostrada no maior mistério; e nela, outra radiação resplandecia como a aurora, como uma profunda luz púrpura brilhando nela, que era uma manifestação mística do mistério do Filho de Deus encarnado. Mas na coluna, havia um aclive como uma escada da base ao cimo, no qual eu vi todas as virtudes de Deus descendo e subindo, carregadas de pedras e dirigindo-se ao trabalho com intenso zelo.
E vi aquele que brilhava e que estava sentado no trono dizer: “Estes são os mais fortes operários de Deus!”. E entre estas virtudes, eu vi particularmente sete, cuja forma e aparência notei de modo particular. Elas assemelhavam-se umas às outras nisto. Todas elas, como todas as outras virtudes descritas até aqui, estavam vestidas por assim dizer de seda. Todas elas tinham a cabelos brancos e cabeças descobertas, e sem nenhuma capa. A exceção da primeira, que usava um véu feminino e um manto de cristal transparente, e a segunda, que tinha cabelos negros, e a terceira, cuja forma não parecia humana. A primeira, a quarta e a quinta estavam usando túnicas brancas. Todas elas traziam sapatos brancos, exceto a terceira, que, conforme mencionado, não parecia estar em forma humana, e a quarta, que estava maravilhosamente calçada com sapatos de cristal brilhante.
E as diferenças entre elas eram as seguintes. A primeira figura (Humildade) usava uma coroa de ouro na cabeça, com três forquilhas mas elevadas; estava radiantemente ornada com pedras preciosas verdes e vermelhas, e com pérolas brancas. Em seu peito, ela trazia um espelho brilhante, no qual aparecia, com maravilhoso brilho, a imagem do Filho de Deus encarnado. E ela disse: […].
E a segunda figura (Caridade) era de um profundo azul-celeste, como um jacinto, tanto na pessoa quanto na túnica. Em sua túnica, duas tiras estavam maravilhosamente entretecidas e incomparavelmente ornadas com ouro e joias, de modo que uma tira descia até os pés da figura, sobre cada um dos ombros, tanto na frente quanto atrás. E ela disse: […].
A terceira figura (Temor), vi-a sob a mesma forma em que a havia visto em minha visão anterior: maior e mais alta de estatura do que as outras virtudes, e não humana na forma. Ela estava coberta de olhos por todo o corpo, pois vivia completamente na sabedoria; ela usava uma vestimenta sombreada, através da qual os olhos podiam ver. E ela tremia de medo diante daquele que brilhava, sentado no trono. E ela disse: […].
E a quarta (Obediência) estava usando uma corrente branco-neve ao redor do pescoço, e suas mãos e pés estavam acorrentados juntos com grilhões brancos. E ela disse: […].
A quinta () tinha uma corrente vermelha ao redor do pescoço. E ela disse: […].
E a sexta (Esperança) estava vestida com uma túnica de cor pálida. Diante dela, no ar, estava a cruz da Paixão do Filho de Deus crucificado; e na direção dela, ela levantou os olhos e as mãos com grande devoção. E ela disse: […].
E a sétima (Castidade) vestida com uma túnica mais brilhante e mais pura que o cristal, que brilhava resplendente como a água quando o sol nela se reflete. E uma pomba estava pousada sobre sua cabeça, de frente para ela, de asas abertas, prontas para voar. Em seu seio, como em um claro espelho, apareceu  uma criança pura, em cuja fronte estava escrito “Inocência”; e em sua mão direita, ela segurava um cetro real, mas ela havia posto a mão esquerda sobre o peito. E ela disse: […]
Ora, no cume da coluna sombreada, vi outra figura maravilhosa (A Graça de Deus), de pé, com a cabeça descoberta; tinha cabelos negros encaracolados e uma face viril tão ardentemente brilhante, que eu não conseguia olhar para ela claramente, como uma face humana. Estava vestida com uma túnica púrpura e negra, com uma tira vermelha sobre um dos ombros e uma tira amarela sobre o outro, a qual cai até os pés, na frente e atrás. Ao redor do pescoço, tinha uma estola episcopal, maravilhosamente adornada com ouro e pedras preciosas. Contudo, uma radiação pura a rodeava de tal sorte que eu não podia olhar para ela, a não ser da cabeça aos pés, defronte; seus braços e mãos e e pés estavam ocultos da minha vista. E aquela radiação ao redor dela era cheia de olhos por todos os lados, e estava toda viva, mudando sua forma como uma nuvem e tornando-se ora mais ampla, ora mais estreita. E a figura gritou com voz alta no mundo, e disse à humanidade: […]. […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 609).


Depois disso, eu vi, diante da coluna da humanidade do Salvador, uma torre de brilhante esplendor, estabelecida sobre o muro de pedra no lado sul do edifício, de modo que ela era visível tanto de dentro quanto de fora do edifício. Sua largura era de cinco côvados ao longo de qualquer raio de seu interior, mas sua altura era tão grande que não pude captar.
E entre aquela torre e a coluna da humanidade do Salvador, não havia nada senão um alicerce sobre o qual o muro ainda não havia sido construído. Assim, ali aparecia uma lacuna vazia, conforme mencionado (Livro III, Segunda Visão), que media um côvado de comprimento. E esta torre ainda não estava acabada, mas estava sendo diligentemente construída, com grande habilidade e rapidez, por grande número de operários. Ao redor de seu cume, havia sete baluartes, construídos com grande firmeza.
E vi uma escada que ia de dentro do edifício até o cimo desta torre, com uma multidão de pessoas de pé nos degraus, da base ao topo. Elas tinham faces ígneas e roupas brancas, mas sapatos pretos; e dentre elas, algumas que eram semelhantes na forma, mas mais altas e mais esplêndidas, que olhavam para a torre com grande concentração.
E, em seguida, ao norte do edifício, vi o mundo e os povos que descendiam de Adão andando de um lado para outro, entre o brilhante muro do conhecimento reflexivo do edifício e a circunferência do círculo que rodeava aquele que estava sentado no trono. Muitas destas pessoas entravam no edifício, entre a torre da prelibação da vontade de Deus e a coluna da divindade de sua Palavra, entrando e saindo através do muro do conhecimento reflexivo como nuvens que estão dispersas aqui e ali. E cada uma que entravam no edifício estava vestida com uma roupa branca. Algumas delas alegravam-se com grande júbilo na suavidade e maciez desta roupa, e conservavam-na; outras, porém, pareciam aborrecidas com o peso e a natureza vinculante dela, e tentavam despir-se dela. E aquela virtude a quem eu ouvira anteriormente, chamada conhecimento de Deus, muitas vezes detinha-as graciosamente, e dizia a cada uma: “Reconsidera e conserva a roupa com que estás vestida”.
E vi que algumas dela aceitavam esta repreensão e, embora a vestimenta parecesse obstruí-las, elas faziam um grande esforço e conservavam-na; outras, porém, desdenhando estas palavras, furiosamente arrancavam a vestimenta e lançavam-na fora, voltando voltando para o mundo de onde tinham vindo. E ali elas experimentaram muitas coisas e aprenderam bastante a respeito de inúteis vaidades mundanas. E algumas coisas, pelo menos, voltaram para o edifício, retornaram a vestimenta que havia lançado fora e vestiram-na novamente; outras, no entanto, não tentaram retornar, mas permaneceram ignominiosamente no mundo, despidas dela.
E vi que algumas, que estavam muito sujas e negras, e agiam agiam de maneira insana, vinham do norte e irrompiam no edifício; elas invadiam a torre, e prosseguiam, e sibilando para ela como serpentes. E algumas delas desistiram desta loucura e foram purificadas, mas outras perseveraram em sua maldade e imundice.
E também vi, dentro do edifício voltado para o norte, sete colunas de mármore branco, completamente lisas e redondas, com sete côvados de altura. Elas sustentavam uma abóbada redonda de ferro, que se erguia elegantemente a considerável altura. E no como desta abóbada, vi uma figura (Sabedoria) muito bonita, de pé, olhando para as pessoas no mundo. A cabeça dela brilhava como relâmpago, com brilho tão intenso, que eu não podia olhar diretamente para ela. Suas mãos estavam postas reverentemente sobre o peito; seus pés estavam ocultos de minha vista pela cúpula. Na cabeça, ela trazia uma auréola semelhante a uma coroa que brilhava com grande esplendor. E ela estava vestida com uma túnica áurea, com uma tira do peito aos pés, a qual estava ornamentada com gemas preciosas; elas cintilavam de verde, branco, vermelho e azul-celeste brilhante. E ela clamava ao povo no mundo, dizendo: […].
E no piso do edifício, vi outras três imagens: uma delas recostava-se contra as colunas de mármore, e as outras duas estavam de pé diante dela, uma em cada lado. Todas elas estavam voltando a atenção para a coluna da humanidade do Salvador e para a torre que estava sendo construída. A que se estava recostando contra as colunas (Justiça) parecia ser tão ampla quanto cinco pessoas de pé, lado a lado, e tão alta que eu não podia discernir-lhe toda a altura; e assim, ela podia ver tudo no edifício. Ela tinha uma cabeça ampla e olhos claros, com os quais estava olhando perspicazmente os céus; e ela era tão branca e translúcida quanto uma nuvem imperturbável. Contudo, eu não podia ver nela nenhum outro atributo humano. E ela clamava com voz que ressoava por todo o edifício, dizendo ao restante das virtudes: […].
E a primeira das figuras (Fortaleza) que estavam de pé diante desta, em cada lado, pareceu estar armada; ela estava munida de capacete, couraça, caneleiras e luvas de ferro, e segurava uma espada desembainhada em sua mão direita e uma lança na esquerda. E ela calcava sob os pés um horrível dragão, enfiando-lhe a espada na boca, de modo que ele vomitava espuma impura. E ela segurava a espada como a golpear com ela, brandindo-a vigorosamente. E ele disse: […].
A outra figura (Santidade de três cabeças) tinha três cabeças: uma estava no lugar normal e as outras se achavam uma em cada um dos ombros dela, mas a do meio estava um pouco mais elevada do que as outras duas. A do meio e a do lado direito brilhavam tão intensamente, que o brilho delas ofuscava meus olhos, de modo que eu não podia ver exatamente se suas faces eram masculinas ou femininas; a da esquerda estava um pouco sombreada e velada com um véu feminino branco. A figura estava vestida com uma túnica de seda branca e calçada com sapatos brancos. No peito estava o sinal da cruz, em torno do qual brilhava uma grande irradiação como a aurora. Na mão direita ela segurava uma espada nua, que ela premia com grande devoção contra o peito e a cruz.
E vi escrito na fronte da cabeça do meio: “Santidade”, e naquela da direita: “A raiz da bondade”, e na da esquerda: “Autosacrifício”. E a do meio olhava para as outras, e dizia: […]. (um belo diálogo entre as cabeças). […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 649).


Depois disto, vi sobre o cimo oriental do canto do edifício, onde a parte brilhante e a parte de pedra do muro se juntam, sete degraus de mármore que se erguiam com um arco até a grande pedra sobre a qual o Resplandecente estava sentado no trono.
E nestes degraus, estava colocada uma cadeira na qual estava sentado um homem de aparência juvenil. Seu rosto era viril e nobre, mas pálido; tinha cabelos negros que lhe caíam sobre os ombros, e estava vestido com uma túnica púrpura. Ele me era visível da cabeça até o umbigo, mas da cintura para baixo estava oculto aos meus olhos. E ele olhava para o mundo e gritava em alta voz para as pessoas que estão nele, dizendo: […].
E na parte oriental do edifício, vi três figuras de pé no piso, diante daquele jovem; elas estavam de pé, próximas uma da outra, e olhavam devotamente para ele. E voltada para o norte, entre o edifício e o grande círculo que se expandia do resplandecente sentado no trono, vi uma roda que pendia no ar; nela havia uma figura humana que podia ser vista do peito para cima, olhando com olhar penetrante o mundo.
E no canto meridional do edifício, apareceu outra figura, de pé, no piso interno, voltando-se com a maior alegria para o jovem. Todas essas figuras assemelhavam-se umas às outras das seguintes maneiras. Tal como as outras virtudes que eu vira, todas elas estavam vestidas de roupas de seda. Todas elas estavam cobertas com véus de cabeça brancos, à exceção da do lado direito das três mencionadas acima, a qual estava de cabeça descoberta e tinha cabelos brancos. Nenhuma delas usava capas, a não ser a do meio das três, que vestia uma branca. Contudo, todas elas estavam vestidas com túnicas brancas, exceto aquela que estava na roda, pois vestia uma túnica preta e a do lado esquerdo das três, cuja túnica era de cor pálida. Todas estavam calçadas de branco, salvo a do meio das três cujos sapatos eram pretos e pintados com cores diferentes. Contudo, esta era a divergência entre elas:
No peito da figura do meio das três (Constância) que estavam de pé, juntas, havia duas janelinhas. Acima delas, havia um cervo, voltado para o lado direito da figura, de modo que as patas dianteiras dele estavam acima da janela direita e as patas traseiras acima da esquerda, prontas para correr. E esta figura disse: […].
E a figura à sua direita (Desejo celestial) contemplou o cervo, e disse: “Como a corsa bramindo por águas correntes,…” Sl 41,2. […].
E afigura de pé, à esquerda (Contrição do coração) olhava para as janelinhas, e dizia: […].
E a figura que estava voltada para o norte (Desprezo do mundo), em uma roda, tinha um raminho florido em sua mão direta. A roda girava sem cessar, mas a figura dentro dela permanecia imóvel. E no seu perímetro da roda estava escrito: “Se alguém quer servir-me, siga-me; e onde estou eu, aí também estará meu servo” (Jo 12,26). E no peito da figura estava esculpido: “Eu sou o sacrifício de louvor em todas as terras”. E aquela figura disse: […].
E a figura que estava de pé no canto meridional (Concórdia) tinha a face tão radiante que eu não conseguia olhar inteiramente para ela. Ela possuía uma asa branca em cada lado, cada uma mais larga do que a própria figura. E ela disse: […].
Depois disso, eu olhei e eis que todo o piso do edifício parecia vidro branco, que brilhava com calmo esplendor. Mas o esplendor do Resplandecente sentado no trono, que me estava mostrando todas estas coisas, brilhava intensamente através daquele piso, até mesmo abismo adentro. Entre o edifício e o círculo, onde ele se estendia a partir daquele que estava no trono, a terra era visível, em declividade, de modo que o edifício repentinamente parecia estar situado em uma montanha. E o Resplandecente sentado no trono falou-me novamente: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 681).


Em seguida, olhei para o norte, e eis que ali se achavam, cinco feras. Uma era como um cão, fogoso, mas não inflamado; outra era como um leão amarelo; outra era como um cavalo pálido; outra como um porco negro, e a última, como um lobo cinzento. E elas estavam voltadas para o oeste. E no oeste, diante daquelas feras, aparecia uma colina com cinco picos; e da boca de cada fera, uma corda estendia-se até um dos picos da clina. Todas as cordas eram pretas, exceto a que provinha da boca do lobo, que era parcialmente preta e parcialmente branca. E eis que, no oriente, vi novamente aquele jovem que eu vira pela primeira vez no canto do muro do edifício onde as partes brilhantes e de pedra se juntavam, vestido com uma túnica púrpura. Agora eu o via no mesmo canto, mas então eu podia vê-lo da cintura para baixo. E da cintura para baixo, para o lugar que caracteriza o macho, ele brilhava como a aurora, e ali, havia uma harpa cujas cordas estavam em contato com seu corpo; e dali, até a largura de dois dedos acima de seu calcanhar, ele estava na sombra, mas dali para baixo, até a parte inferior dos pés, era mais branco do que o leite. E vi novamente a figura de uma mulher a quem eu vira anteriormente, diante do altar que fica diante dos olhos de Deus (Livro II, Terceira Visão); estava de pé, no mesmo lugar, mas agora eu podia vê-la da cintura para baixo. E da cintura dela para baixo até o lugar que caracteriza a fêmea, ela tinha várias manchas escamosas; e nesse último lugar, havia uma cabeça negra e monstruosa. Tinha olhos de fogo e orelhas de um asno, e narinas e bocas como as de um leão; ela escancarava as bochechas e rangia horrivelmente os dentes ferruginosos. E dessa cabeça até os joelhos dela, figura era branca e vermelha, como se contundidas por muitos golpes, e dos joelhos até os tendões onde estes se juntam aos calcanhares, que pareciam brancos, ela estava coberta de sangue. E eis que a cabeça monstruosa saiu de seu lugar com tamanho impacto que a figura da mulher foi sacudida em todos os seus membros. E uma grande massa de excremento grudou-se à cabeça; e ela elevou-se até o alto de uma montanha e tentou subir às alturas do céu. E eis que, de repente, veio um raio que atingiu aquela cabeça com tamanha força, que ela despencou da montanha, e entregou seu espírito à morte. E uma nuvem malcheirosa cobriu toda a montanha, envolvendo aquela cabeça em tal imundice, que as pessoas que estavam presentes foram tomadas de maior pavor. E aquela nuvem permaneceu ao redor da montanha por mais algum tempo. As pessoas que estavam presentes ali, ao perceber isso, ficaram abaladas por grande temor e diziam umas às outras: “Ai, ai! O que é isto? O que julgais que foi isto? Ai, miseráveis de nós! Quem nos ajudará, e quem nos libertará? De fato, não sabemos como fomos enganados. Ò Deus altíssimo, tende misericórdia de nós! Permiti-nos voltar; deixai-nos correr para a aliança do Evangelho de Cristo, pois – ah! ah! – fomos amargamente enganados!” e eis, os pés da imagem da mulher reluziam de branco, brilhando com um esplendor maior do que o do sol. E ouvi a voz do céu a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 711).




Depois disso, olhei e eis que todos os elementos e todas as criaturas foram abalados por terríveis convulsões; fogo, e ar, e água explodiram, e a terra foi posta em movimento, raios e trovões irromperam violentamente e montanhas e florestas caíram, e tudo o que era mortal expirou. E todos os elementos foram purificados; o que quer que neles tenha sido repulsivo, esvaneceu-se e já não era visto. E ouvi uma voz ressoando em um grande grito pelo mundo afora, dizendo: “Ó vós, filhos dos homens, que etás fazendo na terra, erguei-vos todos e cada um!”.
E eis que todos os ossos humanos, em toda parte da terra onde jaziam, juntaram-se em um instante e se cobriram de carne; e todos eles ergueram-se com membros e corpos intactos, cada um em seu gênero, sendo que os bons a brilhar esplendidamente e os maus revelados em negrume, de modo que os atos de cada um eram vistos abertamente. E alguns deles tinham sido marcados com o sinal da fé, mas outros não; e alguns daqueles marcados tinham uma radiação áurea sobre seus rostos, mas outros tinham a sombra, que era o sinal deles.
E repentinamente, do oriente, um grande brilho resplandeceu, e ali, em uma nuvem, eu vi o Filho do Homem, com a mesma aparência que ele tivera no mundo e com seus ferimentos abertos, vindo com os coros angélicos. Ele sentou-se sobre um trono de chamas, reluzente, mas não ardente, que flutuava na grande tormenta que estava purificando o mundo. E aqueles que haviam sido marcados, foram elevados no ar para juntar-se a ele, como por um redemoinho, para o lugar onde eu anteriormente havia visto aquela radiação que significava os segredos do Supernal Criador; e assim, os bons foram separados dos maus. E, como indica o Evangelho, ele abençoou os justos com voz suave e designou-os para o reino celestial, mas, com voz terrível, condenou os injustos às penas do inferno, conforme está escrito no mesmo lugar. No entanto, ele não fez nenhuma investigação ou declaração acerca das obras deles, a não ser as palavras que o Evangelho declara que seriam pronunciadas ali. Na verdade, a obra de cada pessoa, boa ou má, mostra-se claramente nela. Aqueles, porém, que não estavam marcados, permaneciam de pé, distanciados, na região norte, como o bando do diabo, e eles não vieram para este julgamento, mas viram todas as coisas no redemoinho e aguardavam o fim do julgamento, enquanto emitiam amargos gemidos.
E quando o julgamento chegou ao fim, os raios e os trovões, os ventos e as tempestades cessaram, e os componentes fugazes dos elementos desapareceram todos de uma vez, e sobreveio uma calma extraordinariamente grande. E, então, os elementos tornaram-se mais esplêndidos do que o fulgor do sol, e com grande alegria puseram-se a caminho, rumo ao céu, com o Filho de Deus e os bem-aventurados exércitos dos anjos. E ao mesmo tempo, os réprobos foram forçados, com grandes urros, às regiões infernais, com o diabo e seus anjos; e assim, o céu recebeu os eleitos, e o inferno engoliu os réprobos. E subitamente, glória e louvor tamanhos ergueram-se para o céu, e miséria e vociferações imensas surgiram no inferno, como se estivessem fora do poder humano proferir. E todos os elementos brilhavam calmos e resplandecentes, como se uma pele negra tivesse sido tirada deles; de modo que o fogo já não tinha seu calor abrasante, nem o ar densidade, nem a água turbulência, nem a terra instabilidade. E o sol, a lua e as estrelas cintilavam no firmamento como grandes ornamentos, permanecendo fixos, sem mover-se em órbita, de modo que eles não diferenciavam o dia da noite. E assim, não havia noite, mas dia. E estava acabado.
E, novamente, ouvi a voz do céu a dizer-me: […] (em seguida toda a visão é explicada a Hildegard parte por parte). (p. 741).


Então vi um céu reluzente, no qual havia diferentes tipos de música, maravilhosamente incorporando todas as mensagens que eu ouvira antes. Ouvi os louvores dos alegres cidadãos do céu, perseverando firmemente nos caminhos da verdade; e lamentos chamando de volta as pessoas para aqueles louvores e alegrias; e as exortações das virtudes, instigando-se mutuamente para assegurar a salvação das pessoas enredadas pelo diabo. E as virtudes destruíram suas armadilhas, de modo que os fiéis, por fim, mediante a penitência, saíam de seus pecados e entravam no céu.
E seu canto, como a voz de uma multidão, fazendo música em harmonia, louvando as hierarquias do céu, tinham estas palavras: […] (em seguida Hildegard ouvi os mais belos hinos celestiais). (p. 753). 


VISÕES DE SANTA HILDEGARD VON BINGEN




REFERÊNCIAS 
BINGEN, Hildegarda, Santa. Scivias: (Scito vias Domini): conhece os caminhos do senhor / Santa Hildegarda; tradução: Paulo Ferreira Valério. – São Paulo: Paulus, 2015. (Coleção amantes do mistério). 

http://www.hildegard-society.org/2015/05/o-cohors-milicie-antiphon.html site das músicas- Hildegard Von Bingen. Acesso em: 26/06/2015.




Maria Carmen Gomes Martiniano de Oliveira. A peregrinação da alma no Scivias de Hildegard de Bingen: criação, queda, redenção e salvação.

Norma Abreu Telles. Hildegard von Bingen: estudos feministas, 2010 - PUC-SP. 

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57,9) 


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